sábado, dezembro 27, 2014

O SONHO NA ILHA


A meio da travessia entre as duas margens daquele mar interior que banhava dois países distantes, o ferryboat começou a ter problemas com os motores, sem que nada o fizesse prever, pois o mar estava calmo, azul e liso como um espelho onde repassavam às vezes pequenas nuvens brancas, como flocos de algodão. Eu seguia sozinha, sem ninguém conhecido, entre estrangeiros que nem falavam a minha língua e fiquei apreensiva, esperando o desenrolar dos acontecimentos. E eles vieram numa mensagem transmitida pelo sistema de som, em que o comandante avisava em quatro línguas diferentes, para ficarmos calmos, e esperarmos ser conduzidos aos salva-vidas para abandonarmos o barco, pois enfrentavam uma grave avaria. A tragédia do navio Costa Concórdia, ainda estava viva na minha mente, fiquei assustada e procurei ficar próxima daquele simpático senhor que tinha metido conversa comigo, ainda no porto. Ele falava inglês, pelo menos eu percebia alguma coisa do que ele falava. Além disso, ele tinha dito que era um ex-oficial da marinha inglesa, na reforma, era uma boa aposta para me ajudar nesta situação complicada.
Fiz bem em me aproximar do cavalheiro inglês, ele ajudou-me a descer para o bote salva-vidas, em conjunto com outros passageiros, e daí a pouco começamos a ser resgatados por uma lancha de um navio que se avistava ao longe, carregado de contentores de mercadorias. Mas antes de chegar a nossa vez, a lancha já cheia, partiu deixando-nos sós.
Aparentemente o bote salva-vidas seguia agora á deriva na corrente, e em breve começamos a avistar acima da linha do horizonte, o que pareciam ser copas de palmeiras, depois as palmeiras completas que se iam aproximando, depois uma escarpa rochosa por onde escorria uma deslumbrante cascata para o mar. No cimo da falésia, parecia estar deitada uma linda mulher, com uma cabeleira tão comprida, brilhante e prateada que se confundia com os fios de água da cascata.
Mas devia ser uma ilusão de óptica, disse o meu companheiro, talvez uma montanha no interior da ilha, cujo perfil se assemelhava a um rosto de mulher de cabelos compridos. Impressionada concordei, pois nada mais podia fazer. O bote agora rodeava a ilha e acabou por encalhar na areia de uma pequena enseada. Saltámos para a água pouco profunda, que só nos chegava aos joelhos e avançámos até á praia de areias finas e douradas. O sol já descia no horizonte, quase a rasar o mar e os seus raios horizontais, deixavam uma estrada de luz dourada na água transparente e morna.
Procurámos um lugar para nos abrigarmos e passar a noite que se aproximava. Mas cansados, deixámo-nos cair na areia quente, e adormecemos nos braços um do outro, procurando proteção e aconchego. Era madrugada quando acordámos. A lua ia já a declinar no céu, em direção ao mar e o céu estava a começar a clarear. Estava frio, mas o calor dos nossos corpos aquecia-nos. Senti o seu hálito quente e abandonei-me ao beijo que se seguiu. Depois de satisfeitos os nossos corpos, voltámos a adormecer extenuados. O sol brilhava forte por cima de nós, quando acordámos com fome e sede. Ao longe ouvia-se uma canção dolente numa voz de mulher por cima do muralhar das ondas na areia. Olhámo-nos surpreendidos e maravilhados por termos companhia que nos pudesse socorrer. Levantámo-nos e de mão dada, dirigimo-nos para as palmeiras. Tudo iria acabar em bem! Estávamos apenas a sonhar! Em breve iríamos chegar ao nosso destino e tudo não passaria de uma doce recordação. Ou não seria sonho?


Arlete Piedade

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