quarta-feira, outubro 29, 2014

A FILHA DO ESTUPRO




A FILHA DO ESTUPRO

Vivia com a minha mãe, nós as duas e as nossas e os nossos vizinhos, eu tinha 12 anos e ia fazer treze brevemente. Tinha um corpo um pouco desenvolvido e para a ilha, onde a maioria cresce lentamente e aos 13 anos muitas das vezes nem sinais de seios… Os meus treze anos me colocavam num patamar de quase uma mulherzinha. Mas em contrapartida me sentia uma criança, principalmente por ser filha de mãe-solteira, se é que exista mãe-solteira. Preferia dizer de pai ausente. As minhas carências afectivas eram enormes.
A minha mãe esquecida de ter uma filha de pai ausente já sonhava com um bom marido para mim em vez de sonhar com uma boa escola e uma boa formação.
Esqueci-me de me apresentar, sou Laurentina Maria Lara da Silva e actualmente tenho vinte e cinco anos, sou mãe de um filho de 6 anos de idade. Vivemos os dois, o pai, casado com outra mulher, quase nunca aparece e eu não faço questões da sua presença, aliás prefiro a sua ausência. Mas não é do meu adorado filho nem do seu pai que quero falar. É dum pesadelo que tive quando apenas tinha quase 13 anos de idade.
A minha mãe tinha e talvez ainda tem uma amiga íntima. A amiga estava em contas com a Justiça e precisou de arranjar um advogado. Conseguiu um, não recordo, aliás não sei se foi porque o pagou ou se foi um destes casos frequentes do advogado nomeado pela Justiça. A lei não permite julgamento sem estes, para mim, monstros da lei.  Não sei como e nem porquê o Senhor advogado tornou-se no amigo das duas amigas Laurentina da Silva, a minha mãe e Maria Lara a sua amiga, é no meu nome que se comprova quão amigas as duas eram.
Quanto ao advogado, este apresentou-se sempre com o nome de Senhor Advogado Court Lawyer  ou simplesmente senhor Lawyer. Era um homem muito simpático, não obstante a avançada idade. Estava sempre a me contar histórias e a brincar comigo. Eu quase o idolatrei até que aconteceu o que nunca devia ter acontecido.
Um dia a minha mãe e a amiga dela saíram. A mim a minha mãe me disse que ia com a amiga ao consultório do Dr. Lawyer. Eu já era crescida e podia ficar sozinha em casa até chegar a hora de ir para a escola. O almoço estava na panela e era apenas eu me servir e comer. Era normal, foi assim desde quando eu tinha apenas 6 ou pouco mais. Ela, a minha mãe era uma espécie de compras e vendas, ela era uma “rabidante”.  Saíram, eu fiquei em cassa. Chegou a hora da escola, peguei na pasta e coloquei as costas, senti alguém a bater na porta, nem perguntei, pensei que era a Lourdes, minha colega, íamos sempre juntas. Abri a parta e era ele,  nem me veio a cabeça que a minha mãe e a amiga foram precisamente ao escritório do Dr. Court Lawyer…
Ele entrou e me acariciou como de costume e perguntou-me se ia a escola, eu disse que sim e ele se ofereceu para me dar a boleia. Esqueci-me por momento da Lourdes. Sai e tomei a boleia. Mal entrei no carro senti-me tal “A Capuchinho Vermelho” perante o Lobo… Ele acariciou-me de novo e senti que a caricia era diferente, era quase como o sempre, mas diferente a diferença que se foi acentuada até… Até ele dizer que ia me dar um passeio. Comecei a sentir-me traída e enganada… Quis sair do carro, não me importava as consequências da provável queda, mas não consegui. As portas estavam bloqueadas. Tentei gritar, pedir socorro… Nada a música estava alta e enchia tudo a volta…. O pior…
O pior foi o sorriso dele a afirmação que o carro era a prova de bala e do som, este é um “topo-da-da-gama” em segurança e que lá dentro estamos “seguros”  aprendi a diferença entre seguro e seguro… enfim…. O nojo tomou conta de mim… Paralisada senti-me um trapo, perdi naquele momento toda a confiança no homem… Pouco recordo da dor, do que aconteceu… Recordo sim do que senti-me, estuprada, violada, vencida pela maldade… Recordo-me que entramos numa das poucas florestas que existem nos subúrbios….
Senti-me humilhada, cheia de nojo e suja… Sobretudo senti vergonha de mim mesma e medo de dizer que aquele homem tão cordial era um monstro… Quem acreditaria em mim?
Minha mãe ela e só ela podia e devia acreditar em mim, humilhada, suja e cheia de vergonha fui conta-la, não sei onde fui buscar toda a coragem e menos ainda sei onde encontrei coragem para receber e ouvir e assimilar a resposta da minha mãe, afinal estava eu a pagar a violação que o meu ausente pai actuo sobre ela. Ela me disse que devia ter a mesma postura, pois ela não foi chorar perante ninguém… Paguei com estupro o estupro do meu pai à minha mãe… Sou a filha do estupro…
E hoje? Vivo na mesma rua como a minha mãe e a amiga dela, mas não tenho nem a coragem nem a vontade de ir a casa dela e falar com ela e a amiga. O advogado conseguiu livrar a amiga da embrulhada, diga-se de passagem, que nunca me importei de saber o que era, e o Senhor Dr. Advogado Court Lawyer é o santo das duas amigas!

Nota – Uma moça de 25 anos, alegre e bela, não a conheço pessoalmente. Ela viu o meu blogue e várias vezes pediu-me para encontrarmos… Não tive tanta coragem e ontem ela se abriu para mim no FACEBOOK e eu escrevi o “conto” ou a realidade acima. Os nomes… São da minha invenção... As lágrimas dela e minha, pois chorei assim que terminei de escrever este conto ou esta realidade, pois os actos são reais!
  
Praia, 29 de Outubro de 2014
João Pereira Correia Furtado
    

terça-feira, outubro 28, 2014

RESPOSTA PARA Gilberto Nogueira de Oliveira



RESPOSTA PARA Gilberto Nogueira de Oliveira

G ente assim também existiu
I nfelizmente nas roças ouvi dizer
L embrança de infância algo ficou
B em... Com o tempo chegaram
E ergueram bandeiras mais belas
R esplandecente o sol também
T eve razões para sorrir um pouco
O dinheiro este continuo tão pouco, tão pouco...


N ada na barriga ela continuou vazia
O açoite acabou e o trabalho livre
G entilmente só quem queria e podia
Ú nica certeza é que nem com ele
E muito menos sem ele para se viver
I nfelizes eles sonhavam com a Ilha
R espiravam e suspiravam com o regresso
A inda continuam a respirar e a suspirar... É LONGE E ILHA!


O ntem chegaram quatro e para... dizem
L embrança e matar a saudade
I nfelizes não viram nada do que deixaram
V er 1947 em 2014 é obra de magia
E vão regressar... Tudo está diferente
I nfelizmente as raízes deixadas verdes
R essequidas e mortas estão há anos
A s poucos restantes olvidaram a memória!

Praia, 28 de Outubro de 2014
João Pereira Correia Furtado

segunda-feira, outubro 27, 2014

AS MINHAS LAGRIMAS/LAGRIMAS/EU DEIXEI DE CHORAR - TRIO POR ARLETE PIEDADE, ROSELI BUSMAIR E JOÃO FURTADO

As minhas lágrimas/Lágrimas/Eu deixei de chorar-Trio por Arlete Piedade, Roseli Busmair e João Furtado

As minhas lágrimas

Eu choro, choro, 
mansamente, choro, 
sem gritos, sem ruído
apenas sinto a cara molhada
as lágrimas que escorrem 
dos olhos que transbordam...
Choro! 
Choro por ti, por mim, por nós, 
choro pelo mundo
choro pelas crianças mortas
choro pelas crianças que sobrevivem
que ficam feridas, a sofrer
estendidas em camas de hospitais miseráveis
á mercê de serviços médicos sobrelotados
e de médicos cansados!
Choro pelas mulheres presas e torturadas,
violadas e vendidas
choro pelos homens solitários, sem amor
choro pelos animais usados para experiências
choro pelo mar sujo e poluído
pelos aviões desaparecidos e acidentados
choro pelos familiares desesperados!
Choro pelos poetas sem voz
atrofiados por tanto sofrimento e dor
Com a pena seca de tinta e molhada de lágrimas
Sem papel para escrever e que escrevem nas paredes
com sangue fresco, que escorre!
Choro nas noites de pesadelos
Choro ao acordar para mais um dia de sofrimentos 
e notícias de mortes, guerras, invasões....
Choro...choro...e partilho com vocês
estas lágrimas mansas 
que correm sem esperança 
e molham o meu rosto!

Arlete Piedade


L Á G R I M A S ® Roseli Busmair
Eu poderia muito mais chorar:
As lágrimas seriam riacho,
Que poderiam rios formar
E desaguar no sal do mar
Eu poderia até morrer:
Consumindo assim meu corpo,
Dilacerando a minh'Alma,
No meu imenso querer
Eu poderia quiçá voar:
Planar pelo infinito,
Viajar etérea no espaço,
Sem nunca mais voltar
Eu poderia começar a viver:
Aceitar a dura realidade,
Distante de tanta maldade
E muito longe de você
Mas eu decidi só passar:
Como passam as águas do rio
Indo buscar as águas do mar,
No imenso oceano de te amar.

Ctba=PR=BR (02/08/99)

Roseli Busmair e Arlete Piedade EU DEIXEI DE CHORAR

Deixei de chorar
Já não choro
Pois já chorei de mais
E demais senti as minhas lágrimas
Correrem nas lavras do meu rosto
Que hoje as lágrimas
Já habituadas a escorrerem
Rosto abaixo
A caminho da lagoa
Que aos meus pés formaram
Elas as lágrimas
Sem eu desejar
Nem querer
Já saem e caminham
Rumo a lagoa
Aos meus pés
Sempre e sempre e sempre
Que sinto
Por mil razões
A necessidade de chorar
E resisto
E não choro
Só as minhas lágrimas
Indiferentes
Insensíveis
Inacreditáveis
Escorrem para a lagoa
Que aos meus pés se formam
Sempre e sempre
Que a minha Paz interior
É quebrada
Pelas guerras e injustiças
E pelas Justiças injustas
Pelo mal
Que nunca julguei existir!

As lágrimas saem e correm
Para a lagoa aos meus pés sem eu chorar
Pois há muito que deixei de chorar

João P. C. Furtado

João Pereira Correia Furtado
Praia, 27 de Outubro de 2014
http://Joaopcfurtado.blogspot.com

domingo, outubro 26, 2014

ERA ASSIM A CARTA

ERA ASSIM A CARTA

Cá a carta começava diferente e tinha o seu ritual
Ao sabor do que era destinado e era o fim
Raros eram os de amor e de namorados
Ter pujança física e destemido no trabalhar
A terra era o caminho mais certo de ser piscado o olho…

Com o decorrer de trabalho o mais forte
Apreciava com determinação os olhares discretos delas
Rondavam e ofereciam agua e davam sinais
Te desejo para formarmos a família
A declaração muda era lida nos olhos

Claro que podia dar em pedidos de casamento
As vezes, maioria das vezes, num juntar dos trapos
Recorria-se aos momentos isolados para acerto
Tento três pequenas pedrinhas como a primeira carta
A rapariga atirava-as ao rapaz e dizia “te quero… te quero… te quero…”
 
Com isto podia surgir pedido de casamento ou não
As vezes nem no juntar de trapos dava
Rancoroso algum apaixonado secreto perdido na disputa
Tomava atitude estrema de “roubar” a rapariga
A ação era irreversível, ela seria do “ladrão” eternamente!
 
Cartas existiam e eram raros porque poucos escreviam
A ocupação nas cartas mais sérias e mais necessárias
Restavam pouco tempo para escritas de cartas de amor 
Tratando-se de escreverem e lerem para outro alguém 
A carta muitas vezes era escrita e lida pelo mesmo escritor

Com o ritual de “pequei nesta pena de ouro e meu bem
A sangrar meu pobre e nobre e doloroso coração
Retirei dele o sangue que transformei em tinta…”
Talvez o escritor das cartas se inspirou na “última ceia”
Ao ser ele muitas vezes o leitor e provavelmente o namorado…

Carta de saudade era mais frequente e chato para o escritor
Aqui estou eu rodeado de Fulano e Beltrano e Sicrano e
Recorro a esta saudosa pena para enviar cumprimentos
Tamanhos para Fulano e Beltrano e Sicrano nome por nome….”
Até terminar com “…E para aqueles que perguntaram por mim…” 

Claro esta que uma carta tem o escritor e o leitor e a mensagem
A infelicidade é que naquele tempo poucos sabiam ler e escrever
Recorrer a inspiração era necessária tanto para um como para outro
Ter sempre na cabeça que no acto da leitura da carta recebida
As pessoas presentes, sejam que forem seus nomes estão no carta…
Como não quero ser historiador ou antropólogo ou estudioso
Apenas como poeta que nem sei também se sou… Enfim
Recordo apenas a mais um estilo que é a carta da morte
Tamanha é a dor e o pesar que me obriga tirar do coração
A tinta sangrada para te informar que o fulano vive no paraíso…
Com tudo isto quero terminar de falar das cartas nesta crónica
As mil vezes vividas na Ilha do Príncipe como escritor e leitor
Respeitável e mais solicitado pelos emigrantes da fome 
Tive que fazer mil P.S. sempre que aparecia e eu já no fim
Alguém conhecido “Não esqueça de cumprimentar o fulano…
 
Com isto dispensava uma tristeza desnecessária…
A distância pode criar muitos esquecimentos mais também 
Recordações e saudades criam e quando resta apenas a esperança
Tamanha seria minha crueldade tirar daqueles que são 
As origens minhas que tanto orgulho me davam…
 
João Pereira Correia Furtado
Praia, 26 de Outubro de 2014
   


quinta-feira, outubro 23, 2014

DUETO SOBRE A CHUVA DE ARLETE LOURO PIEDADE E JOÃO PEREIRA CORREIA FURTADO




A Chuva

Chuva pode ser benéfica, fresca e renovadora,
mas também se for num temporal, destruidora!
Chuva pode ser um bálsamo que nos refresca,
Ou porém, uma má tempestade que não presta!

Chuva pode trazer ao seco deserto, a renovação,
Todavia pode causar uma enorme devastação...
Chuva pode acabar com a fome do pobre povo,
Ou pode destruir e ter que recomeçar de novo.

Chuva é que a estéril terra que aguarda, fecunda,
Chuva é que se infiltra nas montanhas e aí funda,
As correntes de onde nascem os ribeiros e rios...

Nas cascatas a chuva dá gargalhada que inunda
De trinados, arco-íris, e faz da tristeza moribunda,
Em trovejantes colunas ou ténues e elegantes fios!

Arlete Piedade
Santarém, 22 de Outubro de 2014

A CHUVA

Aqui a gota de céu é esperada Amiga Arlete Piedade
Mais que uma fortuna é uma imperiosa necessidade
Rezam o padre e o Bispo que Deus de nós tenha piedade

No ano que pouco ou algum cai dos Céus abençoados
Canta o agricultor e dança a mulher já esperançados
Com a Misericórdia que seus males foram acalentados 

A angústia aparece sempre que não seja suficiente
E prevê-se a segura que a planta mostra quase demente
Nos gados e talvez na humana criatura carente

Quando por Deus esquecidos do castigo simplesmente
E dos céus a chuva chega muita diluviana e abundante
Leva tudo as casas e animais e estradas e a frágil ponte

Ficam as lágrimas e os gritos e os choros e a doença
E compreensivelmente resta no homem a esperança
De pegar na enxada e reconstruir com perseverança
     
 TUDO DE NOVO NUM VICIOSO CICLO DA VIDA

Nem sempre e tão mau há ano bom e nada mal
A chuva não é tão pouca nem diluviana e fatal
Ano de festa na colheita e promessa matrimonial

É neste ano que o agricultor suspira com esperança
Põe nela toda a fé e reza a Deus e Santos com crença
E sonha ter casa e esposa amada e uma bela criança!

 João Pereira Correia Furtado
Praia, 22 de Outubro de 2014