A meio da travessia entre as duas
margens daquele mar interior que banhava dois países distantes, o ferryboat
começou a ter problemas com os motores, sem que nada o fizesse prever, pois o
mar estava calmo, azul e liso como um espelho onde repassavam às vezes pequenas
nuvens brancas, como flocos de algodão. Eu seguia sozinha, sem ninguém
conhecido, entre estrangeiros que nem falavam a minha língua e fiquei
apreensiva, esperando o desenrolar dos acontecimentos. E eles vieram numa
mensagem transmitida pelo sistema de som, em que o comandante avisava em quatro
línguas diferentes, para ficarmos calmos, e esperarmos ser conduzidos aos
salva-vidas para abandonarmos o barco, pois enfrentavam uma grave avaria. A
tragédia do navio Costa Concórdia, ainda estava viva na minha mente, fiquei
assustada e procurei ficar próxima daquele simpático senhor que tinha metido
conversa comigo, ainda no porto. Ele falava inglês, pelo menos eu percebia
alguma coisa do que ele falava. Além disso, ele tinha dito que era um
ex-oficial da marinha inglesa, na reforma, era uma boa aposta para me ajudar
nesta situação complicada.
Fiz bem em me aproximar do
cavalheiro inglês, ele ajudou-me a descer para o bote salva-vidas, em conjunto
com outros passageiros, e daí a pouco começamos a ser resgatados por uma lancha
de um navio que se avistava ao longe, carregado de contentores de mercadorias.
Mas antes de chegar a nossa vez, a lancha já cheia, partiu deixando-nos sós.
Aparentemente o bote salva-vidas
seguia agora á deriva na corrente, e em breve começamos a avistar acima da
linha do horizonte, o que pareciam ser copas de palmeiras, depois as palmeiras
completas que se iam aproximando, depois uma escarpa rochosa por onde escorria
uma deslumbrante cascata para o mar. No cimo da falésia, parecia estar deitada
uma linda mulher, com uma cabeleira tão comprida, brilhante e prateada que se
confundia com os fios de água da cascata.
Mas devia ser uma ilusão de
óptica, disse o meu companheiro, talvez uma montanha no interior da ilha, cujo
perfil se assemelhava a um rosto de mulher de cabelos compridos. Impressionada
concordei, pois nada mais podia fazer. O bote agora rodeava a ilha e acabou por
encalhar na areia de uma pequena enseada. Saltámos para a água pouco profunda,
que só nos chegava aos joelhos e avançámos até á praia de areias finas e
douradas. O sol já descia no horizonte, quase a rasar o mar e os seus raios
horizontais, deixavam uma estrada de luz dourada na água transparente e morna.
Procurámos um lugar para nos
abrigarmos e passar a noite que se aproximava. Mas cansados, deixámo-nos cair
na areia quente, e adormecemos nos braços um do outro, procurando proteção e
aconchego. Era madrugada quando acordámos. A lua ia já a declinar no céu, em
direção ao mar e o céu estava a começar a clarear. Estava frio, mas o calor dos
nossos corpos aquecia-nos. Senti o seu hálito quente e abandonei-me ao beijo
que se seguiu. Depois de satisfeitos os nossos corpos, voltámos a adormecer
extenuados. O sol brilhava forte por cima de nós, quando acordámos com fome e
sede. Ao longe ouvia-se uma canção dolente numa voz de mulher por cima do
muralhar das ondas na areia. Olhámo-nos surpreendidos e maravilhados por termos
companhia que nos pudesse socorrer. Levantámo-nos e de mão dada, dirigimo-nos
para as palmeiras. Tudo iria acabar em bem! Estávamos apenas a sonhar! Em breve
iríamos chegar ao nosso destino e tudo não passaria de uma doce recordação. Ou
não seria sonho?
Arlete Piedade
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